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Renata Mangini

Advogada - Direito de Família e Sucessões

O Regime da Comunhão Parcial de Bens

  • Renata Mangini
  • 24 de set. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 29 de set. de 2020

Iniciaremos nossa série sobre regime de bens com o “regime legal”, o regime da comunhão parcial de bens.


Embora possa ser de conhecimento geral a regra básica desse regime, minha intenção aqui é desmiuçar um pouco mais algumas outras hipóteses incidentes e trazer ao conhecimento questões que os casais normalmente não analisam ou não se atentam quando elegem o regime da comunhão parcial de bens para vigorar em seu casamento ou união estável.


Esse regime é o único em nosso ordenamento jurídico que não exige a elaboração de pacto antenupcial, e valerá para os casamentos nos quais os cônjuges não expressarem vontade diversa para outro regime, ou mesmo em casos de anulação ou ineficácia de eventual pacto antenupcial realizado com outro regime.


A regra básica do regime da comunhão parcial de bens é a seguinte: comunicam-se os bens adquiridos onerosamente durante o casamento, exceto os incomunicáveis.


Ou seja, os bens existentes antes do casamento continuam sendo particulares, não havendo divisão em caso de divórcio. Os bens, por sua vez, adquiridos onerosamente durante o casamento são comuns e, portanto, partilháveis em caso de divórcio na proporção de 50% para cada um.


Ok, essa é a regra geral que normalmente as pessoas estão mais familiarizadas. Vamos, porém, aos pontos não muito discutidos sobre esse regime de bens.


Vocês se lembram de que eu mencionei no post anterior que para se analisar o regime de bens por completo era necessário ver como ele se dá em três momentos, (i) durante o casamento; (ii) em caso de divórcio e (iii) em caso de falecimento?


Pois bem, vamos ao primeiro ponto: durante o casamento.

1) Como funciona o regime da comunhão parcial de bens durante o casamento


Casando nesse regime partiremos destas principais premissas:


  • É irrelevante saber qual pessoal do casal efetivamente pagou pelo bem adquirido durante o casamento, se pagou pela maior parte ou pela menor parte, pois se presume nesse regime a colaboração mútua, ainda que um dos cônjuges não tenha efetivamente contribuído financeiramente.

  • Do tópico acima extraímos a segunda premissa: nesse regime há o entendimento da colaboração indireta. Ou seja, a pessoa que fica em casa para cuidar dos filhos e/ou não trabalha, também está contribuindo indiretamente para a conquista do patrimônio, pois além dessas funções domésticas serem igualmente relevantes para a manutenção da família, o cônjuge que fica em casa garantiu os meios necessários para que o outro cônjuge pudesse se dedicar à parte financeira.

  • Assim, pouco interessa no nome de quem está determinado bem adquirido durante o casamento. Mesmo que comprado apenas em nome de um dos cônjuges, esse bem será dos dois e, portanto, partilhável em caso de divórcio.

  • Presunção de solidariedade: dívidas adquiridas durante o casamento, ainda que em nome de um dos cônjuges, pertencem aos dois, pois há a presunção de que a obrigação foi contraída em benefício da família.

E quanto à administração desses bens durante o casamento?


Se os bens adquiridos durante o casamento são dos dois, independentemente em nome de quem esteja registrado, para que um imóvel, por exemplo, seja vendido, doado, etc., ou seja, em operações que envolvam redução de direitos e da propriedade, será necessária a autorização expressa do outro cônjuge (chamamos de outorga uxória ou outorga marital).


Existe aí uma exceção para bens imóveis que integram o patrimônio de uma empresa. Mas a regra geral é que haverá a necessidade de autorização por parte do outro cônjuge para que o negócio seja realizado.


OBS. IMPORTANTE: Isso vale também para os bens imóveis particulares!


Conclusão: nesse regime saiba que haverá algumas limitações na sua gestão patrimonial, mesmo sobre os bens anteriores ao casamento.


2) Como funciona o regime da comunhão parcial de bens em caso de divórcio


Primeiramente, vamos à nomenclatura: no “juridiquês”, quando falamos de comunicabilidade ou incomunicabilidade de bens, queremos dizer simplesmente se um bem pertence ao casal (comunicável) ou se é particular de um dos cônjuges (incomunicável).


Os bens incomunicáveis no regime da comunhão parcial de bens, ou seja, que não pertencem ao casal, mas apenas a uma das partes e, portanto, não serão partilhados em caso de divórcio, estão previstos no artigo 1.659 do Código Civil e são os seguintes:


Vou colocar entre aspas como a lei prevê e explicar em seguida o que quer dizer cada item:


a) “os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar”;


Ok, vamos por partes:

>> Os particulares: essa é a regra básica que falamos anteriormente, que os bens existentes antes do casamento são de cada qual e assim continuarão sendo em caso de divórcio.

>> Os recebidos por doação e por sucessão (por meio de inventário): pertencem somente à pessoa que os recebeu.

>> Os sub-rogados: de forma simplificada, sub-rogação é a substituição ou troca de um bem por outro.


Exemplo: João possuía um apartamento antes de se casar com Maria. Durante o casamento, João decidiu vender seu apartamento e comprar uma casa. Esse bem é comunicável, já que foi adquirido durante o casamento? Depende. Em regra será apenas de João, pois houve sub-rogação de um bem pelo outro, houve a troca.


Contudo, é importante se atentar que quando se trata de sub-rogação de bens imóveis, deve haver a devida comprovação por vias documentais. Isso quer dizer que não adianta alegar simplesmente que o novo imóvel foi adquirido com recursos do antigo, isso deve estar comprovado.


Dica: para evitar discussões desnecessárias no futuro, faça constar expressamente no título aquisitivo do imóvel de onde veio o dinheiro, lembrando que para a venda desse bem, mesmo se tratando de um bem particular, João deverá ter a anuência de Maria.

b) “os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares”;


>> Desdobramento da regra anterior: temos que entender que, caso João venda o apartamento por R$ 100.000,00 e compre uma casa durante o casamento por R$ 150.000,00, haverá a sub-rogação apenas de R$ 100.000,00, ou seja, parte dessa casa (na proporção dos 100mil) será só de João. Ao passo que os R$ 50.000,00 serão do casal na proporção de 50% para cada.

c) “as obrigações anteriores ao casamento”;


>> As dívidas pessoais: são as dívidas anteriores ao casamento. Cada um responde pela sua própria dívida.

d) “as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal”;


>> Desdobramento da regra anterior: em regra as dívidas anteriores não se comunicam. Se a dívida provém de um ato ilícito, durante o casamento, em regra ela também não se comunicaria ao outro cônjuge. Porém se comprovado que a dívida se reverteu em benefício do casal, aí sim a dívida será comum, ainda que feita apenas por um dos cônjuges.

e) “os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão”;


>> Não entram também na partilha em caso de divórcio, as joias, roupas, escova de dente, relógios, celulares, livros, instrumentos de profissão como, por exemplo, o bisturi, a máquina de costura, etc.

f) “os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”;


>> Na minha opinião houve aqui uma infelicidade do legislador na hora de redigir essa parte da lei. Isso porque, não comunicar os valores recebidos por salário contraria a ideia do próprio regime da comunhão parcial de bens, uma vez que os bens adquiridos durante o casamento são justamente adquiridos com o dinheiro do trabalho.


Na prática, devemos entender, na linha do que já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que os valores recebidos por salário são sim comunicáveis.

g) “as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”;


>> Pensões: quantias pagas de forma periódica a uma pessoa visando sua subsistência.

>> Meios-soldos: metade do valor que o Estado paga ao militar reformado.

>> Montepios: pensão que o Estado paga a um herdeiro de um funcionário público já falecido.

OBS.: Os direitos autorais: essa regra não está no Código Civil, mas na Lei nº 9.610/1998, que diz que “Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário.”.

Chegamos ao fim desse tópico da incomunicabilidade de bens. Até aí conseguimos entender quais bens não entram em uma possível partilha de divórcio.


E o que entra, então?


São comunicáveis, ou seja, pertencem ao casal e serão divididos em caso de divórcio os bens previstos no artigo 1.660 do Código Civil:


a) “os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges”.


>> Essa é a regra básica do regime, o que for adquirido durante o casamento, em regra pertence aos dois, mesmo que em nome só de um dos cônjuges. Digo “em regra”, pois essa aquisição deve ser onerosa, ou seja, deve haver o pagamento, a contraprestação para a aquisição daquele bem.

b) “os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”.


>> Aí entram, por exemplo, o prêmio de loteria, apostas, etc.

c) “os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges”.


>> Vocês se lembram dos bens incomunicáveis em caso de doação ou herança? Pois bem, caso esses bens doados ou recebidos em razão de um inventário forem atribuídos expressamente ao casal, aí sim os bens serão de ambos.

d) “as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge”.


>> Sabe aquele apartamento que você possuía antes de se casar e que foram feitas reformas durante o casamento? O apartamento em si continua sendo particular, ou seja, a propriedade não se divide em caso de divórcio, mas as benfeitorias realizadas nele sim.

e) “os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”.


>> Ainda no exemplo do apartamento existente antes da união, caso ele seja alugado durante o casamento, os alugueis serão do casal na proporção de 50% para cada um, ou seja, esses valores serão partilháveis caso não tenham sido consumidos durante o casamento.

OBS. 1: Bens que guarnecem a casa: a presunção legal é que o mobiliário da casa foi adquirido durante o casamento e, portanto, é partilhável. Essa presunção, contudo, admite prova em contrário, podendo o interessado comprovar que a aquisição de alguma mobília ocorreu antes do casamento.

OBS. 2: Cotas Sociais: podem ser comuns e, portanto, partilháveis as cotas sociais e valorização da participação societária decorrente dos lucros reinvestidos.

OBS. 3: Verbas trabalhistas e o FGTS: polêmico. Não há previsão no Código Civil, mas o STJ já entendeu pela comunicabilidade desses valores, desde que o fato gerador tenha ocorrido durante o casamento. Ou seja, verbas trabalhistas serão divididas entre o casal se o fato que as gerou tiver ocorrido durante o casamento. Quanto ao FGTS a mesma coisa: apenas serão partilháveis os valores depositados em conta do FGTS durante o casamento.

OBS. 4: Planos de previdência privada: não é uma matéria pacificada também. Parte dos juristas e tribunais entende que esses valores não seriam comunicáveis. Outra parte entende que seriam comunicáveis, desde que o beneficiário não atingida a idade estabelecida no plano, tornando tais previdências, portanto, meros investimentos e, assim, partilháveis.

E, por fim:


3) Como funciona o regime da comunhão parcial de bens em caso falecimento de um dos cônjuges


Esse tópico pode ser extenso, mas vou tentar ser o mais objetiva possível.


Existem várias correntes doutrinárias sobre esse assunto, mas vou me atentar aqui à principal e mais bem aceita nos tribunais.


Lembra que nesse regime de bens é feita a divisão de 50% do patrimônio comum para cada, independentemente em nome de quem foi registrado o bem?

Então, se um dos cônjuges falece e estava casado sob o regime da comunhão parcial de bens, a regra geral é que metade dos bens comuns do casal não entrará no inventario e sequer sofrerá com o imposto que recai nos inventários (ITCMD).


Isso significa que metade já pertence ao cônjuge sobrevivente (chamamos essa parte de meação).


E a outra metade dos bens comuns? Essa outra metade será dividida entre os demais herdeiros (se existentes). Portanto, o cônjuge sobrevivente não recebe novamente uma parcela dessa outra metade, ou seja, ele não ganha duas vezes.


E os bens particulares, aqueles que pertenciam apenas ao cônjuge falecido antes do casamento? Sobre esses bens o cônjuge sobrevivente concorrerá em igual proporção com os demais herdeiros (se existentes).


Exemplo:


Maria casou com João e tiveram dois filhos, Matheus e Carolina. João falece, deixando uma casa e um carro comprados durante o casamento (bens comuns), e um apartamento que recebeu de herança de sua mãe (bem particular).


Metade da casa e do carro já será de Maria e parte desses bens não será computada no inventário. A outra metade da casa e do carro será dividida entre os filhos, Matheus e Carolina.


O apartamento que João havia recebido de herança e, portanto, era seu bem particular, será dividido em partes iguais entre Maria, Matheus e Carolina.


Daí, temos a regra: onde se meia não herda e onde se herda não meia.


Isso significa dizer que sobre os bens comuns Maria só tem direito à metade (meação) e não herda nada da outra metade. Sobre os bens particulares Maria não possui meação, mas é herdeira e divide esse bem em igual proporção com seus filhos.


Se você chegou até aqui, parabéns (rs)! Sei que são muitas informações, mas essas, na minha visão, são as mais importantes para se avaliar se o regime da comunhão parcial de bens faz sentido para você e seu parceiro.

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