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Renata Mangini

Advogada - Direito de Família e Sucessões

O Regime da Separação Obrigatória de Bens

  • Renata Mangini
  • 17 de out. de 2020
  • 4 min de leitura

Entendidos os regimes de comunhão parcial e separação convencional de bens, agora será simples (talvez nem tanto) de compreender como funciona o regime da separação OBRIGATÓRIA de bens.


Obrigatória? Isso mesmo, o nosso Código Civil, no artigo 1.641, estabelece uma lista de pessoas que são obrigadas a se casarem nesse regime, não podendo, portanto, escolher qualquer outro:

(i) As pessoas que tenham caso sem observar as causas suspensivas para celebração do casamento;


>> Causas suspensivas são regras impostas pela legislação que diz quem NÃO deve se casar:

1) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

2) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

3) o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

4) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

(ii) A pessoa maior de 70 (setenta) anos;

(iii) Todas as pessoas que dependerem, para casar, de suprimento judicial.


>> Essa regra vale para os maiores de 16 anos e menores de 18 que queiram se casar. Caso não tenham autorização dos seus responsáveis legais, precisarão de autorização judicial.

Essa ideia de obrigatoriedade em se casar por esse regime vem da ideia de proteção do Estado e também de sanção. No primeiro caso, em que existe alguma causa suspensiva, o argumento para a existência desse regime é uma forma de sanção, pois alguns requisitos importantes não teriam sido observados pelos noivos ao se casarem.

Já no segundo e terceiro casos, quando se trata de pessoas maiores de 70 anos ou entre 16 e 18 anos, a ideia do regime é de proteção. Aí que entra uma das controvérsias desse regime de bens: por que restringir a liberdade de escolha dos noivos nessa situação?

Como dito, em ambas as situações o argumento seria de proteção patrimonial. Quanto aos jovens, fala-se que nessa idade não teriam discernimento suficiente para escolher um regime de bens, cabendo ao Estado essa imposição legal. Quanto aos maiores de 70 anos, a intenção seria de evitar possíveis “golpes do baú”, pessoas com idade avançada que se casam com pessoas muito mais jovens.

Entretanto, essa dita “proteção” é bem questionável, existindo, inclusive, uma discussão a cerca da inconstitucionalidade dessa regra.

Isso porque, restringir a liberdade dos noivos nesses casos, estaríamos partindo das seguintes premissas:


  • de que o outro noivo(a) está de má-fé, indo na contramão da lógica do Código Civil que exige nas relações contratuais a conduta da boa-fé, seguindo critérios de lealdade e confiança.

  • de que as partes possuem menos aptidão para exercer os atos da vida civil. Eventuais restrições devem ter razões justificáveis e serem sempre previstas em caráter excepcional, o que parece não ocorrer no caso. Aí poderíamos entrar na matéria relativa às incapacidades, que, com a nova legislação de 2015 (Lei nº 13.146/15) reformulou alguns conceitos, buscando garantir a inclusão do sujeito com deficiência para preservar a sua autonomia e assegurar o exercício de direitos e liberdades.

Enfim, com todo respeito ao entendimento de quem defenda esse regramento, não vejo razão para sustentar a ideia de que os maiores de 70 anos não possam escolher o próprio regime de casamento, na medida em que a idade avançada, por si só, não é causa de incapacidade, não justificando, portanto, a necessidade de imposição do regime legal. Apesar disso, persiste a previsão legal.

Mas vamos ao próximo ponto polêmico.


Como a ideia inicial desse regime era justamente não só a sanção, mas “proteger” o patrimônio de determinadas pessoas, as regras aplicáveis a esse regime se igualariam à Separação Convencional de Bens. Procure aqui no Blog que já fiz um texto sobre isso.


Dessa forma, o objetivo era que não houvesse comunicação de bens entre os cônjuges, ou seja, uma separação completa do patrimônio de cada qual.

Contudo, existe o enunciado da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que vai na contramão da lógica deste regime de bens, prevendo que os bens adquiridos na constância do casamento comunicam-se entre os cônjuges.

Isso quer dizer que os bens adquiridos onerosamente durante o casamento serão considerados dos dois, e deverão ser partilhados na proporção de 50% para cada um, caso ocorra essa necessidade.

Ora, então estaríamos diante, na verdade, de uma comunhão parcial de bens?

Não vou entrar na especificidade dessa súmula e de qual contexto ela veio, pois isso demandaria um texto muito longo, além de ser algo bem específico.

Para o que cabe aqui e é importante saber, é que esse regime de bens se chama separação obrigatória de bens, mas tem “pitadas” de comunhão parcial de bens.


A discussão, então, em torno dessa súmula é se existiria a necessidade ou não de comprovação do esforço comum para a aquisição do patrimônio durante o casamento, lembrando que na comunhão parcial não há essa necessidade de comprovação.

Bom, a questão é polêmica e gera muita discordância, não apenas entre os advogados, mas também nos tribunais. Inclusive, existem decisões das cortes superioras para os dois lados: algumas dizendo que há a necessidade de prova do esforço comum, outras dizendo que não há essa necessidade.

Muito embora haja uma verdadeira insegurança jurídica sobre esse regime de bens, fato é que continuaremos a lidar com muitas, mas muitas discussões sobre esse tema, estando ainda uma parcela da sociedade obrigada a se casar sob essas confusas e contraditórias regras.

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